sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Na escola suspendem galego por dizerem «suelo» e «acera» enquanto têm neles o tesouro secular da fonética galega.

Recomendo este artigo ferventemente, para quem goste do tema, claro. Vai sobre algo fundamental pero quase sempre esquecido na nossa língua, a fonética. Esse aspecto que levanta um muro social entre o galego de laboratório e o galego auténtico. Ese aspecto que o isolacionismo oficial -polo motivo que fór- nom souvo cuidar, e o reintegracionismo -o futuro- deve agarimar.

AGAL tem uns colaboradores espectaculares, coa cabeça bem amoblada. Parabens!!

E FELIZ ANO A TODOS!!!



PGL - Tomás Rodriguez, 44 anos, berciano a morar em Santiago de Compostela desde os 18, antropólogo de formaçom, afirma que todo acto comunicativo aspira a mudar as crenças e que a fonética é a marca de identidade mais forte dumha língua.




Tomás Rodriguez é berciano, como viveste a tua infância galegófona?

Pois discorreu entre a confusom e o ocultamento. Nasci numha vila mineira, a minha identidade oficial era a de leonês e a identidade natural, herdada, era a de berciano mas na escola éramos apenas 10% de bercianos e 90% filhos de imigrantes. Eu ouvia os velhos a falar dum jeito que já era diferente ao dos meus pais, e o dos meus pais já era diferente do meu, o meu distinto dos meus companheiros da escola e o dos meus companheiros diferentes entre si. Quando cresces aprendendo a dizer «se undio la bombigha d'aecho, esto nom tiêm gheito» (fundiu-se a lâmpada de afeito, isto nom tem jeito) e depois vais à escola e nom há quem che entenda essa tua fala (o chapurreau) ficas confuso porque nom achas referentes além da própria família e duns poucos vizinhos; deves mudar a tua fala e tomas consciência da própria diferença.

Fui medrando aprendendo a debulhar palavras no sotaque dos filhos dos mineiros: no manho, no andaluz, no transmontano, no mirandês, no castelhano, no luguês, no asturiano... Contudo, tivem sempre interesse por procurar um quadro de referência para o que ali se falava, ou se falara. Os velhos diziam que falavam «meio galego», na escola os professores defendiam que era berciano, de maneira nengumha galego por mais que se parecesse, era umha mistura, à moda do Bierzo, entre galego e castelhano. Assim foi que, de nino, eu pensava que falava essa mistura e procurava purificá-la tirando dela tudo o que nom fosse castelhano, até que um dia fui a Leom à casa dos meus tios, que volveram de Alemanha e abriram um bar; teria eu 9 ou 10 anos.

Ali aconteceu algo fundamental para a formaçom da minha identidade. Sucedia que eu estava na capital, no celme do espaço que me outorgava a minha identidade oficial: Leom. Foi entom que um grupo de senhores no bar deu em chufar-se e rir-se de mim, chamaram-me, entre outras cousas, «gallego cochino», «berciano empanada» ou «berciano botilho»; tomei consciência de duas cousas, umha que era berciano e nom leonês e, duas, que ser berciano implicava ser galego, porque eu, para os leoneses era «outro», nom fazia parte deles. Aquele simples acto separador apartou-me para sempre de Leom.

Na verdade, um facto marcante. Houvo outros na tua adolescência, nom houvo?

Na adolescência trabalhava na distribuiçom de pam polas aldeias, onde nom moravam imigrantes, e ia anotando no caderno das encomendas palavras e frases dos velhos. Comecei a fazer recolhas de tradição oral, consultando bibliografia e formando-me umha ideia sobre a língua. Tenho vivo o recordo do dia, 15 ou 16 anos (1980 ou 1981) que decidi recuperar a fala dos velhos e, destemido de mim, fui a Ponferrada, entrei na loja e falei assim «queria umhos pantalões de linho». Havia ali duas raparigas que, simplesmente, escacharam a rir, a senhora da loja, com olhos como quem mira um moinante, atendeu-me com desconfiança. Vi daquela que no Bierzo, em público, nom se podia usar a fala natural, fala que eu entendia como «parecida co galego», àquele galego da RAG que via nos livros, do «ti, catro, camións», lembro que esse plural em -ons me parecia francês.

Daquela no liceu tínhamos umha revista, nela estávamos um grupo de gente que andávamos a descobrir a nossa galeguidade. Entre os professores havia também diferentes opiniões mas, recordo mui bem, sofremos a censura, encabeçada pola professora de língua espanhola, quando tentamos publicar a Longa noite de pedra: primeiro em galego, depois bilingue, finalmente nom se publicou. Daqueles anos data também um livro sobre etnografia do Bierzo, escrito por gente afim ao GAL (Grupo Autonómico Leonês) que tivo muita repercussom. O livrinho estava pensado para negar a galeguidade do Bierzo e mentia, extorquía e ocultava dados, mesmo falseando-os. Isto alporiçara-me muito. Anos depois, num congresso de antropologia, coincidi com um dos autores, que reconheceu que mentira, falseara, e mesmo inventara informações, tudo para demonstrar a suposta nom galeguidade do Bierzo. Comprometera-se a fazer um outro livro, ou umha segunda ediçom, livre dessa manipulaçom e fiel à realidade antropológica, mas continuo a aguardar.

Quando cheguei a Compostela, com 18 anos e como um exilado cultural, pensava que em Galiza, como se podia, todo mundo falaria galego, mas estava errado; quando cheguei aqui as cousas nom eram como eu imaginava a normalidade, isto estranhou-me muito e, ainda hoje, continuo estranhado.

Em tua opiniom, umha das áreas onde a hibridaçom com o castelhano é qualitativamente mais grave é a fonética.

É, porque a fonética é a alma do idioma e é também a sua marca de identidade mais significativa, é o que traça a diferença entre um falante de 80 anos e outro de 18, sendo os dous falantes nativos. Nos novos falantes do galego a cousa vai além da hibridaçom e chega simplesmente à substituiçom: a fonética costuma ser castelhana quase 100%.

Nas gerações recentes de falantes maternos a hibridaçom cavalga rápido e forte, perdeu-se o som do «lh» e no seu lugar usamos o «y» castelhano (carvayo), o nosso «l» é agora o castelhano, eu perdi-o também, reconheço. Dá-se o paradoxo que, ao nom saber pronunciar este «l» (similar ao catalão), muitos reintegracionistas quando lêem «ele» fam-no igual que se for o nome da letra, mas lido em castelhano e ignoram que esse -e final é «mudo», precisamente porque o «l» que vai diante é como é: palatal.

Existem outras muitas hibridações, como as que afectam as vogais fechadas e abertas, ditongos, hiatos, dizer «caixa» como «caisa».
No entanto, parece que a maioria das pessoas colocam o alvo da correcçom noutras áreas.

Para muitas pessoas falar galego consiste em pronunciar uma série de palavras que estejam no dicionário, mas a fonética com que as pronunciam é a fonética castelhana e, muitas vezes, a estrutura também, sem que ninguém se importe. Acontece que estas pessoas aparecem nos meios, transmitem informações e criam opiniom, encarnam o galego válido para termos sucesso, o que sai na TVG, no Parlamento, o que usam as que defendem publicamente o galego.

Os velhotes e pessoas que guardaram a cadeia secular do galego, mesmo os mais novos, percebem alheamento neste jeito de falar e dam em crer que falam mal o galego porque o protótipo que se fornece como válido está longe do que eles próprios falam; isto provoca que as expectativas pessoais de êxito vital com o seu idioma natural sejam cativas e que creiam que devem mudar para que a expectativa medre. Já que esse protótipo é fonética e graficamente castelhano, actua como força esmagadora, em sinergia com outros modos de aculturaçom, para a hibridaçom e a morte do idioma, da identidade, da cultura; tudo faz parte do processo etnocida.

Na escola suspendem galego ninas e ninos por dizerem «suelo» e «acera» enquanto têm neles o tesouro secular da fonética galega, som gramaticalmente impecáveis, mas falham no que importa pouco: o vocabulário, isto é loucura e suicídio. Estes rapazes, quando pais, mui provavelmente vam educar os filhos em castelhano porque ham querer para eles o êxito na vida e eles, nas suas carnes, sabem que com o galego que eles definem como «seu» nom se pode, o êxito vem em castelhano ou, como muito, no «galego esse da TV, que nem é galego nem é nada».

Sim, a alma da língua é a fonética e, até agora, só fazemos finca-pé no vocabulário e na norma escrita. Ambas as cousas alheam os falantes naturais do galego. Fazemos finca-pé na competência linguística, mas o que realmente importa é a competência comunicativa e assim, ano após ano perdemos falantes maternos, elos da cadeia secular, e ganhamos algum que outro neo-falante mas, isso si, normalmente ajustado a esse protótipo linguístico estéril.
A tua formaçom é a de antropólogo. Que ferramentas da antropologia podem ser úteis para a analisar a relaçom entre língua e sociedade na Galiza?

Melhor seria dizer que a minha formaçom é de etno-arqueólogo e, como tal, tenho realizado recolhas; isso implica um processo mergulhante livre e prolongado na antropologia, mas a minha formaçom académica como antropólogo é incompleta.

O que si podo dizer é que a antropologia adopta um ponto de vista holístico, muitas perspectivas podem e devem ser tidas em conta, mas por afirmar algo concreto creio que devemos superar as focagens reduzidas e alheias ao próprio objecto de estudo, que é a sociedade. Ir além da linguística para caminhar para a pragmática, ter em conta que a relaçom entre língua e sociedade está compreendida dentro da cultura e que ambas fam parte dela.

Se o que queremos é que a sociedade tenha umha atitude positiva para a sua própria língua havemos ter em conta que a língua é umha ferramenta ao serviço da comunicaçom e que não «existe» autonomamente mais que nas mentes dos que dela fazemos objecto das nossas pensamentos e especulações. Na língua viaja umha determinada concepçom do mundo, umhas crenças concretas com que edificamos a nossa vida do dia-a-dia e, portanto, a expectativa, de êxito ou fracasso, que o seu uso vai fornecer à vida do utente. Talvez a primeira ferramenta a usar tem de ser a análise destas crenças em relação à língua em geral, estudar as expectativas que estas crenças geram e depois estabelecer qual há ser o ponto de partida para modificá-las.

Modificar crenças pode parecer um acto de manipulaçom, ou de lavagem de cérebro mas, na praxe, o fim de todo o acto comunicativo é, precisamente e a pouco que reparemos, a modificaçom das crenças. Quando perguntamos, berramos, discutimos, conversamos, amamos, o nosso foco está nas crenças, bem nas próprias bem nas alheias; modificar as crenças é a razom mesma de ser da acçom comunicativa. Mas para fazer isto é imprescindível saber que conjunto de crenças partilhamos como o nosso auditório e, para isso, é inescusável conhecer o seu ponto de vista.

A nova situaçom que pretendemos deve ter um grau certo de parentesco com a situaçom que queremos mudar, umha relaçom genealógica. Este trabalho está por fazer, polo menos da perspectiva que nos interessa, porque a direita si que fai isto e com notável sucesso, conhecem as crenças da gente, acodem às emoções básicas e, desde elas, prendem e turram para onde lhes interessa. Agora, poderia-se dizer, que a direita usa eficazmente a comunicaçom enquanto a esquerda usa eficazmente a linguagem. Isto daria para falar dilatadamente.

Decerto que há muitas ferramentas que podemos usar, mas desde o meu ver, o começo de tudo deve ser definir e estabelecer qual é a base comum de crenças entre quem está interessado em que a língua sobreviva e quem tem de mantê-la viva nos séculos. Analisar as crenças da sociedade sobre as línguas do ambiente e relacionar isto com as expectativas vitais. É, simplesmente, ter em conta o próprio objecto de estudo para defini-lo, interagir com ele, para nom alheá-lo, evitar estratégias comunicativas incompatíveis com as expectativas sociais; é procurar a lógica interna dos processos porque os processos som lógicos e coerentes, estám como blindados, só a sua incompreensom é que os qualifica de ilógicos e incoerentes

Uma outra faceta tua é a de músico, em concreto música tradicional.

Bem, gosto de tocar música tradicional mas isso nom me converte em músico, apenas um interprete deficiente. Defendo-me melhor no bandolim que na gaita ainda que eu gostaria que fosse ao revés. Venho dumha família onde a música estava mui presente, sobretudo polo lado ma minha mãe, a minha avó era pandeireteira com a sua irmám, minha bistia, e também estava meu bistio Jacinto Meraio, que era gaiteiro. Gosto de pensar que algo dessa tradiçom está viva em mim.

Pensas que o discurso do reintegracionismo tem sabido «comunicar»?

Nestes últimos 25 anos decerto que tem avançado muito mas, se olhamos para o que gente crê que é o reintegracionismo, aginha vemos que a comunicaçom foi ineficaz. Creio que o reintegracionismo falha neste aspecto, as causas podem ser várias e umha delas é a própria concepçom que muitos de nós temos da língua como algo autónomo da sociedade, focando mais para a escrita que para a fala, para a língua abstracta que para a comunicaçom. A escrita permite «comunicar-nos» com a lusofonia mas esquecemos um pouco a comunicaçom interior galega; penso que o jeito como alguns companheiros incorporam a fala dificulta a compreensom do que é o reintegracionismo.

Que esperas da Associaçom Galega da Língua? Que esperas do reintegracionismo?

Espero que se abra para dentro de Galiza, que ajude a modificar as crenças dos galegos sobre a sua própria língua e que melhore as expectativas vitais, individuais, no sentido de que vivendo em galego a praxe da vida pode ter sucesso, tanto ou mais como vivendo em castelhano em todos os ambientes sociais e culturais.

Do reintegracionismo espero que saiba devolver a fala aos galegos, que faga compreender que a sua língua tem muitas falas: a ancaresa, a marinhã, a das Rias Baixas, a lisboeta, a portense, a brasileira, a angolana... que seja quem de comunicar que todas essas falas conformam um idioma que chamamos galego, galego-português, ou português. Que modifique a crença de que o galego correcto é o dos locutores da TVG e que logre que os rapazes novos dos Ancares falem o ancarês, os do Salnés a sua fala, e que o fagam em todos os ambientes e em qualquer parte. Que cada comarca conserve a riqueza que a desventura da história, a ausência de norma, trouxo de bom: o tesouro da diversidade das falas galegas. Que nom aconteça como em Portugal, onde o lisboeta devora tudo o que é diferente a si próprio.

http://pglingua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1527:tomas-rodriguez-antropologo-musico-e-berciano&catid=22:agal-hoje&Itemid=61

2 Comments:

Gonzalo Amorin said...

Muito bo artigo caro Lourenço! Muito clarecedor. Estou totalmente de acordo com o autor. Tampouco os reintegracionistas aspiramos ao triunfo do padrom de Lisboa, bem sabemos que o sotaque nosso do norte nom é mais do que o cántabro com o andaluz para com o espanhol, pensas?

O'Chini said...

Pois é, caro Gon!