quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O ENGANO DE VIRITU*.

Hai pouco escrivím este continho inspirando-me numha lenda que Marta estava trabalhando nos seus debuxos, a ver se gostades del.
No mais fundo da selva, havia muito tempo, ainda quando os animais conviviam junto com os homes, numha aldea mui pequena, tinha a sua casa Viritu. Na sua vida todo ia bem, pero desde havia um tempo, as cousas cambiaram, a felicidade tornara em desgraça e a familia de Viritu sofria. Algo acontecia na selva que nom acaba de comprender.

Viritu erguia-se cada noite porque nom podia durmir. Havia meses que nem el nem a sua família comiam algo sólido. Nom era quem de topar comida e aquel fracasso sumia-o numha grande tristeça. A sua mulher Meisa tratava-o com dozura, assim como as suas filhas Remila e Seisom. Os seus filhos ajudava-no quanto podiam, Aseiro algo mais que o pequeno Balairo. Cada noite convertia-se para Viritu num outro trabalho que minguava ainda mais as suas escassas forças. Dava mil voltas tentando procurar umha soluçom aos seus problemas. Como podia acabar com a fome da sua prole? Nom dava topado nada de proveito para comer.

Havia perto dum mes que, noite tras noite, Viritu se erguia mui amodinho do leito, por nom espertar a sua mulher, para ir fora da casa a sentar num dos chanços do patím. Ali, quedo como um toco, mirava para as estrelas, sentia o ar na face, ulia o cheiro da terra molhada polo orbalho e, ainda assim, nom dava com a soluçom. De sempre foram tirando com o que el caçava e com o que a sua mulher e filhos recolhiam da selva e do rio. Quanto tempo havia durar aquel vazio? Perguntava-se. Fora como se todos os animais acordaram em fuxir mui longe, como se as plantas decidiram nom dar mais frutos; que fora o que ocorrera? Por que tinham que passar por aquela desgraça tam grande el a sua familia?

- Se quando menos puidera ir casando algumha das minhas filhinhas. Pensava.

Viritu mirava para o ceu e nom atopava mais perguntas. O vento traia-lhe o silêncio mais seco e ruím que puidera imaginar calquera home, e com el, cada noite, sempre, um oubeo afogado e negro que lhe giava a alma e que, macabramente, lhe abria o apetite.

- Algúm dia irei por ti maldito! Pensava Viritu agarrando o bandulho cheio de fome.

Pola manhá cedo, como todos os dias, Viritu espertou só. Meisa já estava na cozinha, a preparar um pouco de sopa com água e um osso – fervido tantas vezes que já nom tinha nem pinga de substância –. O cheiro trouxo da cama a Viritu. Chegou a cozinha e viu a toda a sua família à mesa.

- Meus filhinhos! Pensou. Os olhos encheron-se-lhe de bágoas. Fixo por nom bota-las fora.

Sentou canda eles e comeu calado a sopa, tinha tanta fome que nom puido deixar de pensar em como o deviam de estar a passar a sua mulher e os seus filhos. Nom puido acabar com a que tinha na cunca.

- Querida! Marcho, vou à selva, poida que hoje chegue tarde, nom me agardedes a pé.

- Que tenhas sorte meu home, te-na por favor! Dixo Meisa à vez que a sua mirada percorria cada um dos seus filhos.

Viritu apanhou o arco e botou às costas o carcás com as frechas. Pintou a cara e o corpo com borralha e ajustou o coitelo ao cinto. Bicou à sua mulher e a cada um dos seus filhos. Estava listo para sair de caça.

Caminhou durante horas, tentava buscar sitios lonxanos, por onde ninguém antes se atrevese a passar. El, desde neno, conhezia bos lugares de caça, agora nom havia ne-les mais que os restos das abondosas caças passadas. Aguilhoado por aquela imagem dos seus filhos caminhou como nunca fixera, mais alá das Montanhas Brancas, e do Lago Redondo, passou o Penedo Asubío e ainda a Branha de Verdaia. Sabia que desta nom havia voltar a casa com luz. Decidiu regrassar por outro caminho, polas Fochas do Quem e logo virando a esquerda na Pita Coura até o Outerinho de Xabre, desde onde já, mui ao lonxe, poderia, se a noite era limpa, ver algumha das luzes da sua aldeia. Chegou ao Outeirinho de Xabre e nada, nom se atopara nem com umha soa oportunidade para usar o arco. Viritu estava canso e desesperado. Que lhe ia dizer à sua familia? Meisa ia encomodar-se com el. Viritu decidiu descansar naquel alto por um anaco, quando, de súpeto, mui lonxana, pero antes do que deveria estar a sua aldeia, viu umha luz. Umha luz solitária entre a espesura da selva, no que parecia ser um pequeno clareiro.

- Que raro! Nom sei de ninguém que viva por ai. Pero queda-me de caminho, vou para alá! Pensou Viritu.

Viritu baixou o outeiro e adentrou-se naquel recanto da selva que era conhezido como a Cega d´Apalpar, chamado assim polo mesto das suas abondosas néboas. Antes de internar-se ne-la memorizou bem o rumbo que devia tomar mirando as estrelas e o fungo que se acumulava por um dos lados da pedra sobre a que estava sentado. Comprovou que tinha bem tensada a corda do arco e botou a man ao coitelo com mango de corno que apertava o cinto. As primeiras àrbores da Cega recibiro-no através dum passo estreito, como deuses petrificados, retortos e escuros. Viritu remarcou a pintura dos seus olhos, botou-no um chisco para atrás e colheu ar no peito. Pensou nos seus filhos e na sua mulher. Nom escoitava nada, todo estava em silêncio, agás o seu estómago.

- Poida que esta nom fose boa idea. Que raios vou caçar aquí? Espero, quando menos, atopar aquela fogueira. Pensou.

A noite botou-se-lhe enriba.

Na sua casa já cearam. Entre todos comeram um par ovos de caraxué, atopara-os o pequeno Balairo na árbore de cajá que tinham diante do patím. Desta volta, a brincadeira que tinha ne-la cada dia, acabara com um prémio que bem lhe mereceu a cuada que levara ao partir a póla da árbore. Balairo caiu até o cham fazendo uns tremendos malabares por nom tirar o ninho com os ovos de caraxué que recem topara. Meisa já deitara aos nenos e logo de passar polo seu quarto foi ao chanço que sabia que cada noite visitava o seu home. Ali sentou de vagar e botando umha mantinha polas costas mirou para as estrelas lembrando a Viritu. Nom comera nada desde a manhá e as tripas nom lhe deixavam de pedir. Botou as mans ao bandulho.

- Nom tardes Viritu, nom falhes desta vez ! Desexou com todas as suas forças Meisa. Umha bágoa baixou correndo pola sua meixela.

Ergueu-se botando umha mam a cara e deu as costas a noite para entrar na casa. Justo nese momento, mentres secava a bágoa, um oubeo agudo e profundo, afogado no ventre da fraga, ourizou-lhe a pel. Meisa deu a volta. O silêncio que escoitava abriu-lhe as ventás do nariz e os olhos, todo estava escuro e nem o vento traia novas.

- Que é isso? Tem cuidado meu home! Pensou Meisa apertando contra ela a mantinha.

Meisa voltou para a cama e ali achou de menos a Viritu.

Viritu nom via muito com aquel facho de uz, a humidade da selva enchoupava-lhe a roupa e cada passo era um esforço enorme. O solo era um lameiro fedorento que desanimava a Viritu na sua empresa. Aos poucos o caminho foi melhorando e a espesura do mato foi abrindo-se a uns febles refachos de lua. Um cheiro agradável a comida guiou a Viritu inexoravelmente até o clareiro que vira desde o Outeirinho de Xabre. Hipnotizado polo arrencendo da comida fixo um esforço por controlar-se e ser precavido, nom podia confiar em niguém naquela situaçom: só e naquela esfomeada. Agachou-se entre as árbores e, rodeando o clareiro mui despacinho, tentando nom fazer ruido algúm, puido observar um lume nom demasiado grande pero vivo. Por riba del umha grande pota de ferro sobre um trépio. Em torno ao lume viu vários animais mortos colgados dumhas canas de bambú espetados no cham, pelexos amoreados uns enriba dos outros, cordas de coiro ao lado dumha ampla cadeira de madeira trençada com canas e tendóns animais. Viritu nom dava crédito ao que via, aquela abundância seria o fim das suas penúrias?

- Pero de quem será todo isto? Perguntou-se.

Já botara um pé por diante quando de súpeto, como um agudo coitelo que fendera a noite, escoitou um ouveu lonxano tam estarrecedor que o deixou quedo como umha pedra. Aguardou um bo anaco por ver se alguém vinha, pero nada, nom sentia que ninguém estivesse por ali perto. Viritu armou-se de valor e botou-se ao clareiro, com passo de galinha e mirando a todos lados. Quanto mais intenso se fazia o arrendo à comida abrolhando da pota menos medo sentia. Ao chegar onda ao lume nom podia pensar noutra cousa que na comida, um fio de baba pendurava do seu queixo e sem pensa-lo mais botou mam do coitelo para pinchar um anaco da carne que aboiava naquel quente e espeso molho. Comeu quanto puido, até fartar. Botou a carne que colhia na saqueta e que havia tanto tempo sempre traia vazia. Limpou a boca e sentou no cham para descansar um momento antes de retomar a caminhada. Foi entom quando se percatou de que alquém estava sentado na cadeira que tinha ao seu lado, mirava para el tranquilo, com as mans apoiadas nos repousadoiros. Viritu pegou um chimpo para atrás que o fixo cair a rebolos e ficar de novo sentado, fitou para aquel home que calava.

- Boa noite, companheiro! Dixo Viritu tentando normalizar a o que estava a acontecer. O home continuava calado, só mirava para el inexpresivo.

- Boa noite, companheiro. Certamente é você um excelente cozinheiro. Nada, nom havia resposta.

- Aguardo nom haver sido mui inoportuno. O certo é que levo dias sem comer e nom me puidem resistir ao que você estava aquí preparando. O home nom se movia nem dizia nada, limitava-se a observar como se aquilo nom o atingira.

- Entendo entom que nom se encomodou comigo por ter-lhe comido a ceia... Dixo mais relaxado Viritu.

- Leva muito tempo por aquí? Eu vivo nom mui longe destas terras, a um bocadinho de aqui. Foi entom quando a Viritu se lhe ocorreu a ideia. E se amanhá me achego de novo por aquí e lhe traio umha das minhas filhas? Seguro que você seira um xenro excelente? O outro calava como um peto e mirava relaxadamente a Viritu.

- Nom se fale mais! Manha hei de vir com a minha filha Remila. Já verá que bem! Boa noite meu xenro.

O home calado ficou sentado na sua cadeira mentras Viritu o deixava atrás para internar-se de novo no mato, agora triunfante, com o bandulho cheio e a certeça de ter topado um bo home, quando menos bo caçador e cozinheiro, para umha das suas filhas. A volta a casa ia ser toda umha celebraçom, umha festa.

A Cega d´Apalpar chegava case até os lindeiros da aldeia de Viritu, tam só uns quantos campos, agora hermos, separavam as casas das centenárias árbores da espesura. Desde ali Viritu viu alborar o dia. A cada passo sentia como lhe chegava o arrecendo a lume da chemineas da aldeia. Com um sorriso inmenso Viritu nom pensava mais que no gram recibimento que ia ter, a saqueta ia cheia até reventar de ricas viandas.

- Que sorte a minha! Aledava-se Viritu. E ainda poida que topase um xenro do milhorinho. Minha doze Meisa aquí estou.

Diante da porta da sua casa chamou por todos, um por um.

- Cheguei! Meisa! Balairo! Aseiro! Remila! Seisom! Vinde recibir ao vosso pai!

Sabia que adentro já estariam todos a pé, Meisa nom deixava remolonear mais que o suficiente. No interior da casa comezou-se a escoitar um rebumbio de pés à carreira que vinham canda el, abriu a porta umha Meisa com os olhos cheios de bágoas. Todos se botarom por riba do Viritu, abraçaro-no como havia tempo que nom faziam, todos numha pinha, como querendo nom permitir que volta-se faltar por tanto tempo. No meio Viritu mirava ao ceu, com os seus olhos pintados, mais agradecido à vida do que nunca estivera.

- Venha, venha! Já está! Vades acabar por tirar comigo ao cham! Dixo-lhes Viritu.

- Nom sejas ronhom e deixa que te recibamos como tem que ser. Dixo Meisa. Nom sabes o mal que o passamos, já pensamos que nom ias voltar.

- Ai Papainho que bem cheiras! Comentou ainda amarrado a el e mirando para a saqueta o pequeno Balairo.

- Nom vades crer o que me passou. Dixo Viritu.

Entrarom na casa e Viritu tirou da saqueta toda quanta comida colhera no clareiro da selva. Comerom sem contemplaçons, sem pensar em guardar algo por a se a fome durara. Viritu comtemplava a cea fachendoso, sem provar bocado, deleitando-se no seu triumfo.

- Pero Viritu! Entom como foi que fixeches…? Perguntou Meisa.

- Minha querida mulher, poida que em breve tenhamos o nosso primeiro xenro.

Entroniçado frente à sua familia, que nom descansava a mandíbula, Viritu começou a narrar a sua pequena aventura. Os mais pequenos mirava-no com a boca aberta, isso si, cheia de comida, a sua mulher entornava os olhos, as filhas sorriam felices e Viritu, sem deixar atrás um detalhe da sua estória, mirava para a sua filha mais velha convencêndo-se do rápido que se convertira numha fermosa mulher. Aquel dia nom passarom fome.

Todos naquela casa durmirom a perna solta, logo de matar a fome tam só Viritu nom conciliava o sono. Amanhá iria com a sua filha Remila onde aquel home, no clareiro da selva. Viritu nom durmiu com o penso em toda a noite e Meisa, que tam bem o conhecia, tentou por fazer que durmia até que nom puido mais.

- Que foi meu home? Nom durmes?

- Pensei que durmias Meisa. Tenho que contar-che algo.

- Que foi ?

- Amanhá vou ir com Remila ao mato.

- Mui bem, para que a levas? Para traer mais comida entre os dous.

- Pois em certa maneira si, vou-na casar com o home do clareiro.

- Pero entom já o falaches com el?

- Si.

- Pois parece-me bem. Será um bo partido: mui bo caçador e melhor cozinheiro. Que contenta vai quedar a rapariginha, já pensava que ia ficar solteira.

Viritu respirou fondo e agradeceu que Meisa estivera de acordo com aquela decissom.

- Nom se fale mais. Amanhá cedo pola manhá colho a nossa filha e vou onda o nosso xenro!

Viritu e Meisa fundiron-se num abraço e cairom profundamente durmidos. As cousas começavam a endereitar-se, aquela noite nom tinham de que se preocupar.

Remila caminhava junto ao seu pai com os olhos laganhosos e um andar torpom, ainda nom espertara do todo e custava-lhe levar ao lombo a saqueta que Viritu lhe fixera encher com as suas cousas. O susto que lhe dera ainda de madrugada seu pai nom fora abondo para espabila-la:

- Bo dia Remila! Nena! Ergue-te e colhe as tuas cousas, hoje vas conhezer ao teu home.

- Pero que dis Papá! Nom mo podo crer! E quem é?

- Vive na selva, caça e cozinha mui bem.

Um sorriso debuxava a felicidade do espírito de Remila. Ia casar! As moças da sua quinta na aldeia já estavam todas casadas ou cum namorado de havia tempo, agora tocava-lhe a ela. Nom podia deixar essa oportunidade. Que mal podia ter aquel home que escolhera seu pai? El sempre quixera para ela o melhor. Desta nom ia ser menos. Deixarom os campos atrás, pareciam-lhe naquel intre a Remila fermosos, cheios de pequenas flores amarelas que nasceram dum dia para outro. A alborada ainda nom rompera completamente e o sol pelexava com as braçadas de néboa que, coma látegos, agromavam desde a Cega d´Apalpar. O coraçom de Remila pegou um golpe ao sentir a friaxe do ar amansado que ficava entre as árbores. Viritu alentava-a para que apura-se o passo, nom lhe dava chegado o momento de topar-se de novo com aquel calado home.

- Vamos Remila! Nom quererás chegar tarde?

- Nom Papá! Já vou, tenho tantas ganhas coma ti de chegar. Sorriu Remila.

Na selva o caminho complicou-se-lhes menos do que esperava Viritu, com a luz do dia nom asemelhava tam ruim. Numhas horas chegarom ao clareiro onde estavar o caçador. Ao fondo Viritu mirou umha pequena choupana de troncos, nom reparar ne-la na noite anterior. O ambiente continuava inzado do agradável cheiro da comida, desta volta Viritu nom estava tam embriagado polo arrecendo, já matara o mais gordo da fome, pero nom todo. A pota ao lume fervia e a sua mirada pousou ne-la antes que no seu futuro parente, este parecia que nom se movera em toda a noite da sua cadeira de madeira. Remila mirava ao cham tentando nom crear umha impressom equivocada no que ia ser o seu home.

- Bo dia meu xenro! Como foi a noite? Dixo animoso Viritu. O outro seguia calado como um peto.

- Aquí che traio a tua mulher meu caladinho. O outro mirava sem prestar atençom, como quem mira por umha janela num dia de chuvia.

- Pero Padre, que lhe passa a este home. Nem se vai erguer para dar-me a bemvida? Perguntou estranhada Remila. - Começamos o que se di bem. Pensou.

- Nom tenhas pena minha filha, é-che el mui tranquilo. Pero mira, fixa-te que trabadorinho é. De seguro que nom has passar fome com el. Dixo Viritu mirando de esguelho para a pota que fervia ao lume. - Nem nós tampouco! Pensou.

- Meu xenro vou-me ponher um chisquinho com a comida esta que teis por aquí. Tanto caminhar deu-me lareca. Isto cheira a glória. Comentou-lhe Viritu ao home, que continuava sentado observando sem muito interese a sua nova mulher.

Viritu botou-se ao cham, colheu um prato de madeira e uns cubertos que estavam apoiados contra um penedo e comezou a comer quanto puido, logo abriu a saqueta e encheu-na dos melhores anacos. Remila contiuava a pé, tentando compraçer aquel home estranho cum sorriso fingido.

- Que bem has estar aquí minha filha. Dixo Viritu. - Desde logo este é-che um sítio com encanto, tranquilo, onde has estar mui bem com o teu home.

- Entom já marchas papá? Dixo ela.

- Si, agora es a sua mulher. Marcho para casa levar mais comida a tua nai.

- Marcho meu xenro, cuida da tua mulher. Despediu-se Viritu.

Aquilo resultou mui incómodo para Remila, todo estava em silêncio, nem os pássaros piavam. Nom sabia que fazer, aquel home continuava na sua cadeira sem abrir a boca, certamente parecia ido.

- Olá! Eu chamo-me Remila, qual é o teu nome? Insistia ela começando a exasperar-se. O home movia a cabeça mui amodinho, como querendo nom mancar o pescoço. Suspirando mirava para ela como se nom estivese ali.

- Pero é que nom vas dizer nada?

Remila começou a interesar-se polo seu arredor, o que ia ser a sua nova casa. Mirou a choupana que lhe pareceu peor que um cortelho, mirou a pota e desfrutou do delizioso arrecendo, observou as canas de bambú onde meticulosamente estavam espetados os animais, apalpou os pelexos suaves e amoreados sobre um leito de palha. Mirou para o cham e viu o prato e os cubertos que empregara seu pai para fartar-se de carne antes de deixa-la ali soa, no meio do mato, com aquel home mudo.

- Já que o teu nom é a parolada, vou adecentar isto um chisco. Dixo socarrona Remila.

Colheu do cham o prato e os cubertos, mirou ao seu redor e nom topou nem um só caldeiro de água com a que lavar aquilo. Entom foi quando escoitou umha corrente de àgua que parecia nom estar mui loxana. Avançou polo clareiro até deixa-lo atrás e internou-se na selva por um carreiro bem cuidado e limpo, parecia ser mui transitado pola gente ou os animais. De repente, e sem decatar-se de nada umha corda trabou-lhe velozmente umha perna por um dos nocelhos, a corda tirou de-la com tal força que a elevou no ar pendurando-a cabeça abaixo. Os cubertos saltarom e quedarom ciscados polo cham justo baixo da sua melena, que desde a altura chegava ao cham e se enchoupava cuns restos do que parecia ser sangue.

- Acude-me meu home! Berrava Remila, com a esperança de que aquel home do clareiro a vinhera ajudar.

Justo nesse momento um berro estarrecedor inundou o silêncio da selva, agudo e frio como a folha dum coitelo. Aquela calma nom lhe permitia a Remila pensar mais que no latexo do seu coraçom.

No clareiro o home reaccionou. Ergueu-se como se tivera um resorte baixo del e botou mam dum garrote que havia apoiado na cadeira. Enfilou o mesmo caminho que colhera Remila e mui amodinho foi onda ela.

- Ajuda-me! Caím numha das tuas estúpidas trampas! Berrou Remila.

- Que miras? Perguntou a mulher.

O home mirava para ela estranhado, como se algo nom coincidira com o que esperava atopar-se ali. Os olhos eram distintos, agora pareciam vivos, injectados dumha mestura de confussom e determinaçom que faziam da sua faciana aterradora umha grotesca careta. Remila estava mui asustada quando aquel home ergueu o braço para baixa-lo com todo o seu ímpetu contra a sua cabeça. Bateu ne-la até mata-la. Colheu o corpo para leva-lo até a choupana e ali cortou-no em anaquinhos, limpou-no e adubou-no para logo mete-lo na pota do guiso. Sentou de novo na cadeira e observou com a sua mirada perdida como fervia. Resultou que o home calado do clareiro era a Morte, era quem nom lhe deixava nada que caçar a Viritu, o que estava a finar com todas as existências dos aldeáns. Da sua trampa nom poida sair nunca nada com vida, nem a sua própria mulher.

O casal do clareiro chegara ao seu fim muito mais pronto do que Viritu nunca imaginaria. De volta na casa a sua familia aprezou de novo os manxares da Morte e sentiu-se bem. Tinham o bandulho cheio e casaram a sua primeira filha.

Pola manhá Viritu espertou antes que niguém, até a sua mulher Meisa durmia despreocupadamente.

- E hoje que vou fazer? Perguntou-se. - Haverá que ir provar sorte à selva por ver se caço algo. Sempre podo ir visitar a Remila.

O caminho que levava ao clareiro fazia-se-lhe já familar, e desta volta tardou menos que nunca. Queria ver como lhe ai ao novo casal. Viritu preferiu nom almorçar nada pensando no rico guiso do seu xenro. Imaginava a pota fervendo, o cheirinho rico que desprendia, as sopinhas que ia fazer com a bola de pam que levava. Havia-lhe prestar muito mais logo da caminhada, a cada passo apurava. Ao chegar topou à Morte sentada na sua cadeira de madeira.

- Meu xenro! Bo dia! A Morte calava. - Onde está a tua mulher? Onte quando marchei pareceu-me ve-la ir lavar a louça ao regato; voltou? Viritu nom podia mirar para outra cousa que nom fose a pota. Botou mam de umha culher e puxo-se a comer sem dar palavra, a Morte calava e mirava para el.

- Desde logo mira que lhe das bem a cozinha meu xenro! Dixo justo antes de se atragantar com algo duro que estivo a piques de escachar-lhe as moas. Botou a mam a boca e de-la sacou o que parecia ser um dos aneis da sua filha Remila.

- Mi madrinha! Mataches à minha filha madito caladinho! E agora has querer matar-me a mim!

A Morte ergueu-se da cadeira e rápido como um esquiu Viritu colheu um pau do cham para dar-lhe com todas as suas forças numha das canelas. A Morte caiu e Viritu correu por entre o mato procurando o caminho de volta a casa. Entre as árbores, escoitava atrás del como ela vinha e berrava com o seu ouveu infernal. Viritu correu e correu quanto puido e logo dum bo anaco já exausto albiscou os campos da aldeia ainda ao longe.

- Fuxide meus queridos! Rubide polo cajá!!

- Apurade! Saide e rubide à árbore! Meisa, Aisero, Balairo, Seisom! Rubide à àrbore!

- Pero que é o que passa Viritu?! Traes a comida ainda viva? Queres que te levemos a pota grande? Dixo a sua mulher Meisa.

- Cala, lápara! Ide para arriba! O nosso xenro vem atrás nossa!

Toda a familia rubiu veloz ao cajá encaramando-se às polas com força. Todos calarom e mirarom com os olhos mui abertos por riba da ervas do outeirinho que traia o caminho da selva. Nom se escoitava nada: os pássaros, os cans, a auga do regato pareciam momentaneamente congelados. Mais umha vez o ouveo da Morte presagiou a sua chegada. Todos enriba das polas tremerom. O home calado já baixava polo outeirinho, sem presa, com o garrote que dera morte a Remila na mam. Com a sua mirada tristeira.

Quando chegou onda eles parou, levantou amodinho a cabeça e bufou sem ganhas, percorrendo cada mirada. Começou por Aseiro, logo foi Balairo, Seisom, Meisa e por último Viritu. Mui calmo deu-lhe as costas, botou uns passos atrás deitando o lombo sobre o tronco da árbore para deixar-se cair até ficar sentado no cham. Assim passarom horas, Viritu e os seus esmoreciam.

- Pero meu home! Com quem foches casar a nossa Remila!? Dixo Meisa.

- Casei-na com o que vem caladinho e que agora nos quere matar a nós.

A Morte continuava abaixo sem mover-se do sítio. Pero justo naquel momento botou por diante umha mam, ne-la apereceu um bichinho que parecia ser umha termite. Achegou-no a boca e bisbou-lhe sibilinamente para pousa-lo de seguido no cham. A termite ao cabo dum chisco voltou acompanhado de millheiros que, como umha marea, rubirom pola árbore. A Morte ergueuse e levantou a cabeça amosando a familia de Viritu a sua amolecida mirada.

- Maldito caladinho! Berrou-lhe Viritu.

- Pai as termites vam romper a minha pola, vou cair! Dixo Aseiro.

- O que está ai abaixo foi quem finou com a tua irmá, vai canda el pois meu filho! Dixo Viritu.

Aseiro caiu e a Morte nom lhe deu a mais mínima opçom, moeu-no a paus até mata-lo.

- Meu pai! Agora vai ser a minha! Esta pola já nom pode comigo! Vou canda o nosso xenro! Dixo Balairo.

De novo a Morte desenvolveu com mestria o seu oficio, e Balairo morreu dum certeiro golpe antes de tocar terra. Agora os dous irmáns, um por riba do outro, significavam para Viritu e os seus um sufrimento que nom podiam aturar. Meisa e Seisom defalecerom da dor ao presenciar a morte de Aseiro e Balairo. Viritu continha a carragem, fazia esforços por nom se tirar sobre a Morte e encarar-se com ela. Mais Viritu sabia que tinha todas as de perder, nom lhe parecia aquel de perder batalhas. Afogado pola dor Viritu viu desde o alto do cajá a toda a sua familia morta, e daquela desexou que o seu xenro lhe aplicara a sua especialidade. Sentiu escachar a pola rilhada polas termites e pensou que lhe chegara a quenda. No último segundo dizidiu resistir e dum agil chimpo botou-se cara outra pola.

- Meu xenro! Berrou - Penso que já sabes o que teis que fazer comigo. De tantas visitas que che tenho feito à selva… pois é-che que levo papando muita da tua saborosa comida e agora estou gordo como um pucho. A ver! De caires assim ao cham vou de estourar coma se pissases umha rá e todo o meu untinho ha-se perder. Penso que disso nom gostarias nada meu xenro. Anda! Vai buscar palha e borralha para amortecer a minha caida.

A Morte sentara de novo contra a árbore para esperar por Viritu, ao escoita-lo ergueu-se mui despazinho, mirou para arriba e com umha mam que parecia um ranho tocou na cabeça. Entom deu a volta e dos arredores, sem quitar olho de Viritu, achegou quanta palha seca e borralha puido.

- Muito obrigado meu xenro! Nom perdas detalhe que já me vou tirar. Fai o favor de dar-me bem forte que nom quero espernejar como um coelho.

A Morte mirou para a morea de palha e borralha atento da chegada de Viritu, este chimpou no monte com tanta força que levantou umha gram poeira de cinça. A Morte ficou inmersa numha mesta nube de pó e aproveitando que estava arrefregar nos olhos Viritu fuxiu rápido como um lóstrego sem que esta se decatese.

Foi deste jeito como Viritu enganou à Morte.

Foi assim como no-la trouxo a todos nós.

Desde aquel dia a Morte aprendeu tamém a matar nos homes.

Agora a Morte vem por nós polo engano de Viritu.
*Inspirado em Le roman d´Anansi ou le fabuleux voyage d´une araignée / Éditions Caret, 2006. Conto dos Boni de Guayana recolhido por Jean Hurault.

4 Comments:

O'Chini said...

Imprimo e já comentarei, caro Gon!

O'Pablo said...

Moi bo Gonzalo:
Recoñezo que "o querido xenrro" tívome acojonado ata o final pola súa maneira de comportarse( calado e sen fala).Por outra banda un pouco egoísta o Virito, primeiro entregalle a filla a morte e logo manda os seus fillos tirarse antes que él da árbore....E por último que mala sorte coller xusto a árbore con termitas......
Gustoume.
jejeje propoño que fagas a segunda parte: A Vinganza de Virito

O'Chini said...

Heeeeeeeei!!! Moi bom, bem escrito, e boa história! Ao principio me dava a impressom que seria umha história inócua, já sabes, destas sem sangue e morte para nom dar medo aos nenos, pero, joder!! Que equivocado estava!!
Parabens!!
Tem razom Pablo, tes que escrever a Vinganza de Viritu!!

PS: já que estamos todos potencialmente sinérgicos, mirade o meu seguinte post, e colaborade please!!!

Gonzalo Amorin said...

Alegro-me muito de que vos gostasse, muito obrigado caros comblogueiros!