segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Portugal e Galiza, do interdito ao crucial.

Um texto incómodo (a Norte e Sul do Minho) de cultura, de política.
Por Joaquim Pinto da Silva
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Para o comum dos portugueses, o galego e a Galiza representam uma particularidade étnica e uma região entre outras, em que uma gaita-de-foles, as Rias Baixas e um bom marisco fazem quase toda a distinção para com o restante do Estado espanhol.
Para alguns outros compatriotas, com alguma formação escolar, trazer-lhes-á uma remota ideia de uma literatura comum (a poesia trovadoresca), de algum relacionamento actual num tal de Eixo Atlântico, entremeado de alguns clichés sociais (o aguadeiro em Lisboa, o carregador na Ribeira, o trabalhador incansável) e talvez um preconceito histórico ligado a uma Mãe galega, Teresa, que perdeu uma batalha com o filho insubordinado que assumia pela primeira vez essa condição "superior" de português fundador, o "primeiro".
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Uma ditadura iníqua no século XX, uma Inquisição sanguinária (ainda que o Porto apenas tivesse tido um Auto-de-Fé, contrastando com as centenas em Lisboa e, sobretudo, de Évora e Goa) e um nacionalismo centralista afirmado sempre contra a imperial Castela, poderosa e ali ao lado, ajudaram a criar e a manter alguns dos grande mitos fundadores “nacionais”, todavia vigentes, apoiados num desconhecimento que se encosta mais ao comodismo intelectual das ideias feitas do que a uma ignorância, também verdadeira, etária, geográfica e socialmente alastrada.
Portugal, na sua vertente histórica de Condado Portucalense, despega-se do restante da Galiza por um acto, comum à época, de afirmação senhorial em relação a um suserano de quem não poderia já tirar vantagens, antes pelo contrário, já que toda uma Reconquista para sul prometia terras a perder de vista e levas de vassalos contribuintes. Com essa independência (do Reino de Leão), que dura há quase 900 anos, em que desenvolve as suas capacidades próprias sociais, estruturais, psicológicas e linguísticas, chega ao que é hoje: senhor de uma História rica e de uma língua pluricontinental de poder crescente.
Mas a questão que sobra, ignota de muitos e relegada (por medo das consequências que poderia produzir e secundarizada pela iletrada tecnocracia vigente) é saber qual é nossa matriz cultural essencial?
Nascemos do nada? Temos Viriato (que viveu seguramente a maior parte da sua vida em território hoje de Espanha) e os lusitanos (povo do qual nem sequer sabemos a língua que falava) apresentados como substrato nacional, porquê?
Talvez a necessidade de afirmação nacional do ex-condado e do Portugal da altura obrigasse a um “desvio” no rigor dos nossos historiadores, comum a muitos povos, para fugir a uma verdade que poderia ainda abalar a nossa frágil independência? Talvez?
A "lusitanização" de que se fala com muita frequência ao norte e ao sul do Minho, foi uma etiquetagem. Os portugueses encontraram no termo "lusitano" o mito genético para construírem uma independência mais segura. Pensariam que mantendo o cordão umbilical galego estariam mais sujeitos a uma intervenção da Grande Espanha (com Castela dominadora), que tinha absorvido a Galiza a norte do Minho, pois poderia induzir-se pretensão anexionista futura.
Creio que foi esta a astúcia que permitiu justificar um Portugal, nascido do "nada" e "inventor" de uma língua que "sem origem" (a não ser o latim, apagando quase mil anos de História), e, por isso, Castela não tinha justificação nenhuma para impedir um povo/língua/cultura tão "diferente" do resto da Península, de ser independente. Recordemos, de passagem, que é o Cisma do Ocidente (1378-1417) que impondo a adaptação das estruturas eclesiásticas às estatais da altura, provoca de facto a separação política "final" entre as duas regiões.
Mas porque é que hoje, integrados numa Europa que nos garante, valha-nos isso!, a paz e a segurança internacional, não retomamos o caminho da ciência e da verdade históricas e não afirmamos sem peias que Portugal é de matriz cultural essencialmente galega?
Porque não se diz claramente que o galego é a nossa língua de partida, aquela de onde brotou a nossa variante, desenvolvida, apurada e internacionalizada, chamada português?
Porque se persiste em não explicar desde a instrução primária essa origem comum, insistindo-se em "escavar sinais" de vontade autonómica nos séculos anteriores?
As simples manobras de aproximação transfronteiriça, como muito bem assinalou Camilo Nogueira (um dos galeguistas mais esclarecidos na actualidade e que citamos aqui várias vezes), são um processo acomodatício, válido é claro para um relacionamento económico mais forte, mas que não basta para cumprir as nossas obrigações históricas e actuais, e defender o nosso passado e os nossos interesses.
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Nascidos antes mas estruturados nos movimentos liberais do século XIX, os Os Estados-nação já culminaram a sua função destruidora da diversidade política e nacional interna (CN). O conceito de que a um Estado, de fronteiras reconhecidas, corresponde uma nação de per si, com a lógica da jacobina igualdade cidadã e uma imposição de jure de uma língua comum, "aprofundando" assim a necessidade dessa comunidade linguística, "naturalmente " aceite, isto é, imposta por uma centralização, levaram, por exemplo, na França, à quase destruição, pelo menos ao aniquilamento político, da Bretanha, da Alsácia, da Córsega, do País d'Oc, e de outras nacionalidades, mais umas que outras, sobrevivendo ainda uns restos de sentimento nacional "recuperável" na ilha mediterrânica.
Em Espanha, pese os esforços de Castela, três nações conseguiram resistir até hoje, mantendo não apenas as suas línguas nacionais, mas também acesa a chama nacional e a vontade de perseguir os desígnios próprios a cada nação, a soberania à cabeça.
A ideologia "nacionalista" do Estado-nação (o pior dos "nacionalismos", porque disfarçado de supranacional) projecta sobre as nações internas a acusação de pretenderem a constituição de nações etnicamente uniformes, contrapondo a ideia de povo à de território, que seria a própria de Estados como o espanhol, que teriam assim os atributos da pluralidade, da diversidade e, incluso, da mestiçagem e da democracia (CN).
Na Galiza – ou não fosse tão igual a nós – existe uma situação de impasse, motivada, é certo, pela pressão terrorista de um centralismo avassalador, mas sobretudo por um movimento nacionalista preso a um esquerdismo – que é a doença infantil do galeguismo – que recusa abrir-se a outras camadas sociais ou que indistingue luta nacional e luta social, prejudicando gravemente um objectivo próprio, horizontal e acima de qualquer outro (acima, disse bem!), dando a volta, mas cedendo no fundo (e ainda com C. Nogueira) ao marxismo dogmático de Hobsbawn que qualifica os nacionalismos das nações sem Estado, como um fenómeno historicamente transitório, identificável com os interesses das burguesias, à maneira do que, em Portugal, deve ser o pensamento de um Bloco de Esquerda sobre esta questão, ou de outra "esquerda", mais larga e novo-rica que confunde o ser do mundo com a perda empobrecedora da personalidade própria (CN).
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Na Galiza, o eixo principal pelo qual a luta nacional tem de passar, e que "beneficiou" neste momento do ataque desenfreado do espanholismo linguístico (que acusou os nacionalismos de querer impedir o bilinguismo, quando o problema é exactamente o inverso) é o da língua.
O nacionalismo, presa ainda do conceito maximalista atrás citado e, nalguns sectores, ainda de um isolacionismo (bem burguês (pequeno), aliás) hesita em tomar a peito esta questão, armando-se da coragem dos Pais Nacionais do galeguismo político (primeira metade do Século XX).
Se ser nação é assumir a possibilidade de construir um Estado… mais verdade ainda é ser nação é que a língua própria seja indiscutivelmente a língua nacional" (CN). E esta, o galego só a pode cumprir cabalmente, se for aglutinadora e cimento de um povo, se se lhe der a continuidade histórica necessária, aquela que o galego enquanto tal, remetido durante muitos séculos a língua apenas oral e rural, não pôde beneficiar, mas que o galego, enquanto português, se temperou, tornando-se não apenas língua literária de larga produção mas ainda língua pluricontinental, a quinta mais falada no mundo (maternal).
Citamos o mais conhecido galeguista português, até hoje, Rodrigues Lapa:
Certos indivíduos, arvorados em linguistas, ignoram ou fingem ignorar a diferença entre vários tipos de língua: a que falamos no trato quotidiano, propriamente a fala; a que empregamos na escrita; e a que é mais elaborada e usamos na literatura. As duas pontas desta cadeia são obviamente a fala e a língua literária. Não é lícito confundi-las. O processo da língua oral é simples: uma vez lançada a mensagem, o signo é esquecido; mas o enunciado literário não morre por ter servido, "está feito expressamente para renascer das suas cinzas e tornar a ser indefinidamente o que acaba de ser", assim escreveu Paulo Valéry…
a recuperação literária do galego padece de um erro fundamental: a transplantação pura e simples da fala corrente para o texto dos livros. Não é assim que se forja uma literatura.
Considerar o galego como parte integrante do sistema linguístico galego-português-brasileiro, com o nome internacional de português, aproximar radicalmente (em sentido próprio) o galego escrito da norma portuguesa-brasileira, enriquecer a nossa língua comum dos milhares de vocábulos e expressões galegas, eis o caminho a percorrer: o que falta.

3 Comments:

The Sobrado said...

Pois éche ben certo que prefiro ser cabeza de rato que rabo de león. Sexa cal sexa o león. O texto é ben claro para as dúas bandas do Miño, só falla a comunicación e a vontade política, claro.
Tamén é certo que a vontade nacionalista deste país vai ligada ao sentimento de clase... diría Granpurismo: "éche así..." e o resto é vanidade.
"Viva Galiza ceibe e socialista" (pancarta na Alameda de Compostela o 25 de Xullo do 78 -penso- eu con 2 aniños e meu pai comezando a militar na UPG.

O'Chini said...

Pois!!! 10 pontos! Sobre tudo isso de que o galeguismo tem que trascender ao debate esquerda-dereita.

Hei Gon, cola a fonte! Onde o atopaches?

Um apontamento: a minha percepçom da percepçom (valga a rebuznáncia!) que tenhem os portugueses de nós nom é tam desoladora. Valga tamém que eu me movo num mundo universitário.

Olho ao dado: O Mendes Ferrim presidente da RAG!!
Lembro como o tipo dizia aquilo de "as elites portuguesas non nos tenhem em conta". Cada vez fica mais claro que isto nom é certo. E eu me pregunto: se ao final sai elegido presidente, cairá na trampa de atacar ao reintegracionista e entregar em bandeja ao espanholismo mais um argumento para armar escándalo na Voz de Galicia, TVG, etc??

Gonzalo Amorin said...

É triste ver como tamém a naçom filha nos apagou da sua história, eles tampouco podiam tolerar ser filhos dum anaco de Espanha. Mui triste! Pero em honra a verdade as elites cultarais do pais português nom podem, nem devem, ficar a marge. Agora nom hai perigo dumha invassom catelhana, como dí o texto. Oxalá o processo de achegamento seja rápido, porque nos resta mui pocuo tempo.

Em quando à dinámica de classes na Galiza, eu estou ao favor dumha trégoa que fixe o obxectivo no País. Eu prefiro sempre a um patriota seja da cor que seja, nom estám as cousas para exigir demassiado. Isso si, sem renuciar nunca ao socialismo, por suposto, pero agora a luita é Galiza.

Chainis teis o artigo no portal da AGAL.