sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O APALPADOR.

Em Vieiros por Arturo de Nieves Gutiérrez de Rubalcava (Crunha, 1983). Licenciado em Sociologia pola Universidade da Crunha e Bachelor of Science with Honours in Sociology pola Universidade de Abertay Dundee. Actualmente realiza estudos de doutoramento na Universidade da Crunha. Entre os seus interesses investigadores destacam temas como a língua, a identidade colectiva ou o comportamento eleitoral na Galiza contemporânea.
Entre as inúmeras críticas que recebeu a ideia da globalização em tanto que fenómeno cultural que sobarda o estritamente económico atopa-se a tese da homogeneização, segundo a qual o mundo globalizado depreda incansavelmente qualquer amostra de riqueza cultural: a globalização como antítese da pluralidade -cultural, neste caso-. Impossível não imaginarmos uma gigantesca apisoadora capaz de esnaquiçar línguas, tradições e, ao cabo, diversidade étnica em todas as suas formas. Depredação etnocida, sim, mas cumpre perguntarmo-nos: e que aguarda após semelhante ceifa? Ou o que é o mesmo: que força é capaz de desencadear tanta destruição?

O sociólogo do nacionalismo Michael Billig, no seu imprescindível Nacionalismo Banal explicava, vai já para três lustros, que o mundo em que vivemos está marcado ideologicamente polo nacionalismo dos grandes estados. Na formação dos estados-nação modernos Billig fala dum processo metonímico segundo o qual uma parte do mosaico cultural existente no território a nacionalizar passa a ser identificada com o todo nacional; o mecanismo capaz de operar este processo denomina-se “primeira sintaxe de hegemonia” e é observável e analisável empiricamente. Fazer finca-pé nesta ideia seria redundar numa realidade bem conhecida por todos e todas nós –como sabemos e sofremos, no estado-nação espanhol a língua de Castela transformou-se em verdadeira língua nacional espanhola; no estado-nação francês, a língua da burguesia parisiense do s. XVIII derivou em língua nacional francesa. E assim seguido... E não só com as línguas, mas também com as culturas e tradições nacionais–.Porém, a análise de Billig não fica aí, senão que se prolonga até identificar um segundo movimento no mecanismo da sintaxe de hegemonia. Se o primeiro tinha a ver com o processo metonímico acontecido na configuração dos estados-nação modernos, o segundo foca-se na articulação da relação entre esses estados-nação. E esta é uma relação marcada polo domínio EUA, claro. Billig analisa os discursos da “nova ordem mundial”, iniciados com Bush pai no início da década dos 1990 e re-produzidos sem descanso, e cada vez com maior intensidade, até hoje mesmo. Não só polos governantes EUA –Obama incluído–, mas interiorizados e espalhados polos líderes do sistema-mundo de estados-nação. Ula metonímia neste segundo movimento? Se no começo uma parte da território a nacionalizar (auto)atribui-se o direito de falar polo todo nacional, agora é uma nação –os EUA– quem fala polo conjunto dos estados-nação existentes, apelando à universalidade. Assim, os EUA apresentam-se não só como patrão moral e de conduta, senão também como democracia exemplar, a imitar por qualquer estado-nação com aspirações de reconhecimento na comunidade internacional; e isto continua a ser assim após todos os Guantánamos e escândalos imagináveis e por imaginar. Um papel que há anos pôde jogar França e depois, quiçá, Inglaterra, e que no futuro jogará também provavelmente China, India e –aviso para navegantes– Brasil. Recorrendo discursivamente ao bem universal, defendem-se realmente os interesses particulares dos EUA. Velai o segundo movimento na sintaxe de hegemonia, da que a monumental trapalhada discursiva com a que se “vendeu” a guerra do Iraque constitui um exemplo perfeito.
Deste jeito a lógica que subjaz á sintaxe de hegemonia, no seu duplo movimento, é a mesma: perseguir unicamente os interesses das partes beneficiárias apelando ao bem comum. Variam o que entendemos polas partes –os “centros” e “periferias” na concepção Wallersteiniana do sistema-mundo– e polo comum –um determinado estado-nação ou o conjunto do planeta terra–. Agora tocaria perguntarmo-nos: como é que a gente traga com esta patranha que algum dia será estudada nos livros de história como hoje estudamos o Imperialismo do s. XIX ou o sistema medieval feudal? Logicamente a abordagem desta questão excederia em muito os limites deste artigo e @s que resististes a leitura até este ponto já deveis estar a sentir-vos estafados, pois ainda não se disse rem do Apalpador... Sim podemos dizer com seguridade, porém, que boa parte do imenso dispositivo de poder capaz de fazer com que milhões de pessoas aceitem um statu quo prejudicial para elas e injusto por definição, agocha-se trás da lógica dos símbolos. Isto é assim desde que o ser humano é ser humano e, seguramente, desde antes. E por fim, já, chegamos ao Apalpador.
Que eu saiba não há inquérito nenhum, nem estudo qualquer (podo equivocar-me, claro; agradeceria informação, se alguém conhecer) que se interessara pola implantação do “Papá Noel” na Galiza. Seria interessante, pois parece evidente que em mui poucos anos este símbolo adquiriu uma cota de mercado espectacular no nosso país. Normal, com toda a indústria de entretenimento made in Hollywood fazendo-lhe a campanha. Penso que quando eu era cativo não existia mais do que nos filmes; penso que tampouco falavam dele nos informativos e penso que nenhum amigo meu recebia agasalhos deste homem de verde travestido de vermelho e branco pola Coca-Cola. Para entender isto devemos entender que “Papá Noel” ou “Santa Claus”, na cosmovisão EUA, é sinónimo do Natal. Não há um sem o outro, são uma unidade; assim no-lo fazem saber constantemente filmes, marcas, séries de televisão, informativos... É um dos símbolos mais importantes do imaginário nacional norte-americano, disso não há dúvida. A aceitação, portanto, cada vez maior deste imenso símbolo só pode significar uma cousa: a nossa imersão a cada ano mais profunda na lógica de dominação postulada polo segundo movimento da sintaxe de hegemonia, do que antes falávamos. O papel dos deostados Reis Magos, nos que eu tanto cri e que tantas alegrias me deram, é hoje um papel de resistência perante a invasão simbólica EUA, é claro. Ainda que se pode intuir que estamos numa fase de transição simbólica, ao cabo da qual os Reis Magos não serão mais do que um recordo infantil; por outro lado como é hoje já a língua galega para muitas pessoas, noutro exemplo abraiante de brutal violência simbólica. Mas o Apalpador, símbolo em construção, somos nós; porque o Apalpador é –simbolicamente– a Galiza. Aceitarmos o Apalpador como símbolo do Natal é o passo que devemos dar para girarmos simbolicamente arredor de nós próprios. E se a Galiza está viva, que o está –senão o Apalpador nunca teria nascido–, este símbolo de nosso dará que falar cada vez mais. Porque se a dominação é simbólica, a resistência é também simbólica.

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