segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ensinar galego....em Lisboa

Miguel Arce Mendes: «Em Portugal vem um bocado esquisita a ortografia do galego oficial»

«Tem acontecido que no segundo dia de aulas perguntem "professor, apontei-me a esta cadeira pensando que era uma língua estrangeira e vejo que isto é só uma variante"»


Miguel Arce Mendes é leitor na Universidade Nova de Lisboa

PGL - Miguel Arce Mendes é leitor de língua, literatura e cultura galegas na Universidade Nova de Lisboa. Nesta entrevista reflecte, entre outras coisas, acerca do seu trabalho e das impressões que têm em Portugal da Galiza e da língua.

Portal Galego da Língua: Bom dia, Miguel.

Miguel Arce Mendes: Olá. Muito bom dia.

PGL: És leitor de galego na Universidade Nova de Lisboa. Queres explicar-nos qual o labor de um leitor de galego precisamente em Portugal?

MAM: É o mesmo labor que nos outros 31 Centros de Estudos Galegos que têm leitor. Uma pessoa tem de dar aulas à partida de língua, literatura e cultura e fazer uma programação de actividades de difusão cultural relacionadas com a Galiza. Uma das particularidades do centro em que me tocou trabalhar é que parte das actividades são em colaboração com outras associações ou com o Centro Galego de lá, que também fazem difusão da cultura galega.

PGL: E que tal é a recepção em Portugal?

MAM: A recepção é boa, mas a situação é um bocado esquisita porque está planejado o ensino de língua galega em Portugal como se fosse uma língua estrangeira, igual que pode estar planejado na Alemanha ou na França.

PGL: E como pensas que se poderia planejar de um outro jeito?

MAM: A difusão da cultura galega em Portugal e nos países lusófonos como o Brasil obviamente tinha de atender mais a aspectos de difusão da literatura e da cultura que a ensinar a norma.

PGL: Quais as contradições de ensinar a norma galega em Portugal?

MAM: Portugal é um país lusófono com uma tradição linguística fixada de longa data. O qual mesmo às vezes não tem muito boa relação com outros países com diferenças na língua, como é o caso do Brasil. Aliás, há muita controvérsia no país em torno do acordo ortográfico e da sua aplicação.

Então, o galego é visto como uma outra norma diferente com obviamente muitíssima menos tradição. A norma galega está fixada há aproximadamente três décadas, o qual faz com que desde Portugal vejam a escolha ortográfica oficial do galego um bocado esquisita e, além disso, como sabemos, a escolha ortográfica do galego também não é muito favorável para o relacionamento com os outros países lusófonos.

PGL: E quais são os aspectos positivos de ensinar língua e cultura galegas em Portugal?

MAM: Os aspectos positivos que vejo é aumentarem o conhecimento da realidade galega para as pessoas do centro-sul de Portugal. O contacto Galiza-Portugal às vezes é só numa direcção, quer dizer, parece que só os galegos nos interessamos pelo que acontece em Portugal e isso é um problema.

Portugal é um Estado bastante centralista e um estado que mantém um contacto grande com as culturas que foram colónias no seu passado. A Galiza é um país que, por enquanto, não é estado e portanto está muito mais aberto ao relacionamento com Portugal que Portugal a respeito dos galegos. O contacto entre galegos e portugueses só chega praticamente à área do Porto ou, como muito, até Coimbra.

Daí para abaixo há um desconhecimento quase total da nossa realidade porque os portugueses vem a realidade do Estado que têm ao lado sob o seu ponto de vista, quer dizer, pensam que só há uma cultura, não ligam para a diversidade cultural e linguística que há no Estado espanhol e isso complica que os portugueses cheguem a perceber a realidade de nacionalidades como a Galiza, a Catalunha ou o País Basco dentro desse conjunto que eles não chegam a entender como diverso, senão que pensam que é unitário.

PGL: E queres contar-nos alguma anedota que te acontecesse ensinando galego em Portugal?

MAM: Ensinando galego há várias situações curiosas como que por exemplo no segundo dia de aulas os alunos perguntem «professor, apontei-me a esta cadeira pensando que era uma língua estrangeira e vejo que isto é só uma variante» (risos) ou «como é possível que no segundo dia de aulas não tenha qualquer problema com as compreensões que passas na aula?», e este tipo de anedotas.

Depois também conheci muitas pessoas do povo que não diferenciavam muito entre as línguas que se falam na Península. Uma vez disseram-me: «o espanhol que falam vocês os galegos é muito bom, eu percebo tudo; quando vou a Valhadolid o espanhol que falam lá é chato, não percebo nada».

PGL: Então queres contar-nos algo mais?

MAM: Nas escolas portuguesas ensina-se que espanhol são as quatro línguas que se falam no estado espanhol, e pensam que castelhano é o único nome que recebe a língua que se fala em Madrid. Não estão ao corrente de que o nome internacional do castelhano quando se ensina por aí fora é espanhol, quer dizer, pensam que galego, basco e catalão entram dentro do termo de língua espanhola também.

Isto complica muito à hora de lhes fazer ver que galego, catalão e basco não são dialectos do espanhol, mas línguas. Ainda baralha mais as coisas que nós, ainda que falemos como eles, tenhamos uma outra ortografia.

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