quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O que a verdade esconde. 1º parte.

Interessante artigo. Umha parte mais da nossa História oculta e ocultada.


Por José Manuel Barbosa


Desde que Camilo Nogueira em 1996 começasse uma série de trabalhos relativos à recuperação da memória coletiva da Galiza culminados com o seu livro “A memória da nación. O Reino da Gallaecia” em 2001 e posteriormente os importantíssimos trabalhos de Anselmo Lopez Carreira com “O reino medieval de Galicia” em 2005, Xosé António Lopez Teixeira“Arredor da conformación do reino de Galicia (711-910)” e Xoán Bernardez Vilar entre outros, fazem manifesta a existência duma visão galega da História da Península com toda claridade.

Com os textos dos nossos historiadores podemos demonstrar o protagonismo do nosso País durante toda a etapa medieval e ainda reconhecer um silenciamento intencionado do nome da Galiza assim como a usurpação intencionada de factos, personagens, iniciativas, eventos e demais elementos históricos e historiográficos em benefício de Castela ou dum conceito muito exclusivista do hispânico e da Hispânia, sempre castelhana.

Centrando-nos muito concretamente na Idade Media, há do meu ponto de vista alguns elementos a comentar que quereria salientar para ajudar a botar abaixo certos conceitos e mitos que em nada se ajustam à realidade histórica e por isso em nada beneficiam à ideia duma Galiza existente na História da Hespéria.

A Littera visigothica.

Testamento de Múnio Ramiz. Mosteiro de São Pedro de Valverde. Monforte de Lemos (Galiza). Ano de 1115

Aqui há um elemento no que a Galiza tem algo a dizer. É este um tipo de grafia medieval que ocupa os documentos dos séculos da Alta Idade Média. Também é chamada “littera toletana” ou “littera moçarábiga” ainda que todos os autores que estudam a ciência paleográfica concordem unanimemente em que nenhum desses nomes é correto.

O nome de “visigothica” não é correto, porque segundo eles as manifestações deste tipo de letra se dão no seu máximo esplendor após a chegada dos muçulmanos à Península, quando já o Reino Visigodo estava morto.

O nome de “moçarábiga” também não é correto porque não foi entre os moçárabes cristãos andalusis onde nasceu nem onde se desenvolveu com maior personalidade, sendo este povo utente de várias línguas romances particulares que se dão em chamar de “moçárabes” grafadas com ortografia árabe. Quer dizer é o chamado “aljamiado” ou língua romance escrita com grafia árabe. Havia textos em latim mas estes eram escritos com grafia latina versão “visigothica” embora com certas particularidades dependentes nas formas quer do norte cristão quer do mundo muçulmano no que viviam inseridos.


Texto em aragonês aljamiado. Livro de Iusuf

Outro nome que se lhe tentou dar a este tipo de letra foi o de “littera toletana”. O nome não teve muito sucesso como também não teve sucesso o denominá-la “littera hispânica”

Como vemos, esses nomes para este tipo de letra não atendem a uma realidade originária visigótica, nem a uma realidade de uso, como também não é moçarábiga nem toledana, onde não nasceu nem onde foi comum o seu uso, nem se cinge única e exclusivamente ao mundo hispânico, já que como uso gráfico foi partilhado por certas regiões da França mediterrânea, nomeadamente a Septimánia.

No entanto, parece ser que o exemplar mais antigo conservado deste tipo de escritura é a inscrição dotal de São Pedro de Rochas, cenóbio próximo à cidade galega de Ourense. O texto está datado no ano 611 segundo a cronologia da Era Hispânica, quer dizer, trinta e oito anos menos se o ajustamos ao cômputo pelo que nos regimos na atualidade que corresponderia ao 573 da nossa Era. Faltavam ainda doze anos para que a Galiza caísse nas mãos conquistadoras do Rei Leovigildo dos visigodos e parece, pelo texto, que era hábito usar este tipo de estética gráfica desde havia muito tempo.

Inscrição dotal do Mosteiro de São Pedro de Rochas de 573
Quiçá o nome mais adequado para este tipo de grafia fosse “littera gallaeca” ou “littera suévica”?

Reparemos em mais pormenores:


Vejamos a feição das letras desta escritura "visigóthica" (ou melhor galaica ou suévida) e reparemos na letra Z. A sua configuração é uma evolução da dseta grega z. Esta daria origem com o tempo a conhecida letra que denominados cedilha ou zedilha cujo nome é um diminutivo de “zeda” ou “zeta”.




Na passagem da letra mal chamada visigoda para a carolina -nova grafia usada a partir dos séculos XII e XIII em adiante-, o Z com viseira acrescentaria ou hipertrofiaria esta até parecer um C com uma pequena virgulinha. Essa letra seria muito sucedida e de muito uso nas línguas da península ibérica e mesmo no ocitano e no francês (langue d’oil). Pensamos que ao Ç podemos atribuir-lhe uma origem galego-portuguesa por ser esta a primeira língua culta da Hespéria mesmo antes de que o castelhano fosse de uso comum, o qual segundo autores como Rodrigues Lapa, Eugênio Cosériu ou Carvalho Calero não deixaria de ser uma variante local estremeira do galaico oriental ou astur-leonês em contato com falares e substrato basconço do oriente burgalês. A primitiva Castela.

O uso do zedilha ou cedilha acabou estendendo-se por todas as línguas da península e mesmo pelas línguas da antiga Gaula ou Gália, e ainda por outras mais longínquas como o albanês, turco, romeno, letão,etc...

É curioso como uma das grandes críticas que o isolacionismo linguístico galego faz do uso do NH e do LH é que estes dígrafos são estrangeiros, procedentes do ocitano. Não se diz que também o é o CH e no entanto não se discute o seu uso em galego (porque também se usa no castelhano!!!) mas a origem do Ç é galaica exportada a outras línguas. Não vi ainda nenhum isolacionista defender o seu uso para a língua dos galegos.

Também é curioso que após o uso continuado desta grafia (Ç) em castelhano até 1726, fosse deixada de usar nos textos galegos quando a R.A.E. (Real Academia Espanhola) publica no seu “Diccionario de Autoridades” a norma pela qual é substituída pelo Z. Ainda assim alguns autores, como a própria Rosália de Castro utilizam o Ç nos seus textos levada pela lúcida intuição da nossa poeta nacional por excelência. Infelizmente o seguidismo gráfico está presente hoje mais do que nunca.


Y ó fin soya quedei, pero tan soya
Qu’hoxe, d’a ,mosca inquieto revoar,
D’o ratiño o roer terco e constante,
E d’o lume o chis chas,
Cando d’a verde pónla
O fresco sugo devorando vai,
Parece que me falan, qu’os entendo,
Que compaña me fan;
Y este meu coraçon lles di tembrando
¡Por Dios!...¡non vos vayás!
Que doce, mais que triste
Tamén é a soledad!

Rosália de Castro. Folhas Novas


O assunto das grafias tem especial importância, já que nos descobre a usurpação da origem dum elemento no que na historiografia oficial nada se diz nem nada nos faz pensar que seja galego ao ser denominada comumente de "visigothico".


Como isso há mais cousas nas que incidiremos.

Continuará......

2 Comments:

O'Poldow said...

Manda caralho, vou aprender mais acó ca na facultade, pá.....

O'Chini said...

Nem pajolera ideia tinha meu! Mas tem todo o sentido!

No meu trabalho ando muito coa "dseta" e nom lhe acabava de colher a lógica...mas agora...ai tá!!